Eu mesma provoco choques tremendos dentro de mim.
Possuo três personalidades muito fortes.
Uma que é a pura essência da arte, fluida, bela, e tem uma leve coloração azul;
outra é a minha consciência: é parda, pesada, sombria e severa.
Outra: utópica, visionária, tem cor de creme, com riscos avermelhados e roxos com um pouco de dourado!
Eu as distingo perfeitamente.
Se a primeira personalidade vencesse, eu seria quase uma deusa; pura, quase inerte, passaria por tudo vibrando, refletindo como um cristal, e produziria sons.
Uns sons um pouquinho dissonantes, sabe como? Assim como se eu caísse numa cachoeira e as gotas frias me fizessem gritar de susto. Uns gritos mais agudos e umas risadas que a gente dá sem motivo, um tanto desafinadas, mas bonitas.
Eu seria assim, se a minha primeira personalidade vencesse.Eu seria intocável. Tudo me faria vibrar, mas seria delicada; nada seria capaz de ferir-me ao ponto de sair sangue. Seria como uma harpa longa, cheia de beleza, mas sem intensidade.
Quanto à segunda personalidade, eu quase não a distingo. É esquisita.
A pobre coitada sofre tanto a força da primeira e da terceira que ainda não está bem formada (É por isso que nem sempre raciocino com muita clareza). Concorda com a audácia da terceira personalidade, mas discorda dos seus desejos; condena a superficialidade e adora a forma, a cor e a vedadeira beleza que ela tem. É por isso que ela é parda, cinzenta quase. Vive numa profunda melancolia, procurando resolver um problema sério: decidir, como um juiz imparcial, qual das duas personalidades será a mais forte e a mais digna de vitória? É essa pobre melancolia que, às vezes, é visível em mim. É a consciência que pasma de mim mesma.
A primeira e a segunda, a princípio, ficam cheias de remorso e, depois, começam a rir. Riem loucamente!
Ha ha ha!!!!
É uma coisa que existe lá dentro, que não sei o que é. Fico compungida. Dá um aperto no coração!
É algo que existe, mas quase nunca aparece. Nunca.
Fica sempre desconhecida, mas, no momento de um choque entre as três personalidades, ela surge de leve, mas persistente, parece assim uma gotinha d'água que treme no cantinho dos meus olhos. É esquisito! E de repente some de novo...
E agora vamos à minha maravilhosa terceira personalidade. É notável. É cheia de dinamismo. Brilhante! Um pouquinho insensível, às vezes.
Calejada... se encanta com coisas e situações simples, embora tremendamente forte. É assim como as cordas de um violão que permitem o som. É forte, intensa, humana. Ama, chora e morde. Sabe muito bem o que quer. Briga, deseja, anseia, e tem um prazer imenso em se encostar como um gigante infantil em cima do azul e do cinzento. Se recosta como num divã, na transparência da primeira personalidade. Brinca com ela e, de vez em quando, tira um mi bemol, um lá, forte e intenso. É a maravilhosa violonista que toca para se divertir com a própria brincadeira, e faz um barulho tremendo. Gosta de beijos e de revolução. Tudo se mistura, se condensa. Primeira, segunda e terceira personalidades que dão essa confusão nebulosa, parda, azul, dourada, avermelhada de som, de melancolia, de um ritmo alucinante e, às vezes, de inércia e de espanto: essa confusão humana sou eu. Absolutamente eu!
Eis a minha alma que nunca ninguém decobriu, que nunca ninguém atingiu, mas que todas as coisas juntas, tocam e fazem vibrar.
Como escrever para a Temps de Vivre sem me apresentar à você, leitor?
Eis o que sou!